Exposição CNT 2022

Coletiva de Novos Talentos

Sobre a exposição

CNT , 2022

O artista desenvolve pesquisas e experimentações focadas em reflexões acerca do inconsciente, da memória, do tempo e do espaço; a partir de suas interrelações, percepções e das inquietações que então se originam, fazendo um recorte do seu mundo, que, por sua vez, está inscrito em uma matéria, ou seja, a construção de um conhecimento tornado visível nas formas, matérias e nos procedimentos das artes visuais. 

Nesse sentido, para  conhecer os artistas e suas experimentações e pesquisas, lançamos em 2018 a CNT (Coletiva de Novos Talentos). Permanecemos durante dois anos praticamente enclausurados por conta da Covid, mas retornamos em 2022, com a terceira edição,  promovendo a visibilidade de produção de novos artistas e abriremos dia 15 de dezembro às 18h, permanecendo em cartaz até dia 22 de dezembro, inclusive sábado e domingo, na Casagaleria e Oficina de Arte Loly Demercian. 

Nessa edição serão 21 artistas independentes em começo de carreira. O público poderá ver um conjunto de trabalhos em um só espaço, todos foram selecionados e escolhidos pelas curadoras, as profªs Dras. Carmen Aranha e Roseli Demercian (Loly). O projeto tem por objetivo descobrir novos talentos e orientar suas produções e carreira. 

Venham conhecê-los e prestigiá-los!! Todos os trabalhos estarão à venda ! Não percam esta oportunidade !

Os artistas: Alix Spell, Bruno Pastori, Del, Erica Iassuda, Eron Teixeira, Francisco Siwerski, Felipe Zorlini, Gi Ferreira, Gonzalo Fonseca Torres, Isabela Rolim, Jerônimo, Kiko, Lago, Maria Tigre , Nina Nogueira , Pedro Leão , Pinkpeter , Sheila Ortega , Thamyres Donadio, Valeska Rabelo, Vitor Mazon.

O evento proposto é plasmado em duas vertentes: a primeira, uma exposição coletiva com artistas visuais das mais diversas linguagens, tais como:  fotografias, pinturas, gravuras, colagens, esculturas, áudio visuais e instalações. A segunda, os artistas discutirão sobre seus trabalhos e pesquisas. 

Abertura dia 15 de dezembro as 18h. De 16 a 22 de dezembro das 13h às 19h

Conversa com os artistas: Dias 16 e 17 de dezembro. Lives pelo instagram, sempre as 16 h. 

Exposição “E A Memória Insiste” da artista Leila Reinert e “Revistando Leila Reinert” do Coletivo GRUPO 7+

Duas exposições que acontecem na FUNARTE SP

Sobre as exposições

Uma retrospectiva da artista Leila Reinert com a exposição E a memoria insiste “, no espaço  Cultural Funarte, galeria Flavio de Carvalho,  que faleceu em 2019, precocemente. E para homenageá-la faremos uma exposição com os melhores trabalhos de Leila desde de 1997 a 2008, após essa data, sua dedicação foi na sua formação acadêmica. E para nos aproximarmos mais de seus trabalhos, traremos artistas contemporâneos , o Grupo Sete +  com a exposição  “Revisitando Leila Reinert”, espaço Cultural Funarte , galeria Mario Schenberg , tendo a Leila como referencia em suas produções . Será uma revisitação dos trabalhos dela, com o objetivo de  percebermos o quanto é atual sua pesquisa e quais os reflexos na estética, na filosofia e na politica do corpo. 

Leila foi pioneira na fotografia do corpo, expos com os melhores artistas de sua época ( geração 90), como Rosangela Rennó, Rochelle Costi, Claudia Jaguaribe, Rubens Mano entre outros.   Pesquisas que punham o corpo em evidencia, Leila associa a paisagem de seu corpo ( destituído de individualidade) à paisagem da metrópole. Segundo Tadeu Chiarelli , do Museu de arte Contemporânea de São Paulo , escreveu que : o desejo de Leila Reinert de mostrar a impossibilidade de identificar o outro e a si mesmo numa sociedade esfacelada como a atual, criou a necessidade de contrapor a nitidez da fotografia , um certo embaciado, conseguindo através de operações técnicas no processo de produção e/ou revelação da imagem. Ou seja: uma das característica mais marcantes da produção fotográfica que surge no Brasil entre os anos 80 /90 é que ela tende a se apresentar não mais como uma imagem fotográfica bidimensional, plana e objetiva, mas se expande pelo espaço tridimensional da sala expositiva, querendo ganhar uma espessura real e não mais apenas virtual. 

Participantes da Grupo Sete +: Ana Carmen Nogueira, Antonio Cavalcante, Azeite de Leos, Gustavo Prata, Julia Benetton, Maria Luiza Mazzeto, Mariane Cavalheiro, Maurity Dami, Marietta Toledo, Milton Blaser, Otavio Zani, Raphaelle Faure-V, Rodrigo Gontijo, Sheila  Kracoshansky, Simone Fonseca e Sueli Rojas 


Sobre a artista Leila Reinert

E A MEMÓRIA INSISTE
Leila Reinert

Lendo sobre Deepfakes, vídeos realistas feitos com inteligência artificial para manipulação informações, adulteração de imagens e áudios, criando um algoritmo de um usuário anônimo – um conjunto de regras e padrões lógicos – modelos computacionais inspirados
no cérebro humano, sobrepor voz e imagens da vítima escolhida ao rosto de pessoa do vídeo original. Estamos acompanhando uma realidade sintética.
Leila Reinert já estudava a manipulação que fazemos dos nossos corpos e dos nossos sentidos. Ela já estava muito a frente do seu tempo, talvez antecipando as Deepfakes, Fake News, estudando neurolinguística, o designer e a arte.
No ano de 2009, Leila elaborou um projeto no Sesc Pompeia – “Entre o corpo e o espaço sempre há uma coisa”– , que foi desenvolvido por um grupo de aprendizes que ela coordenava e orientava. A partir do estudo sobre a plástica formal dos objetos e
sua contextualização no mundo, sua articulação entre corpo, espaço e o sentido que cada um deles carrega, foram elaborados projetos que ultrapassaram o objetivo inicial da proposta, o exercício do pensamento.
Num mundo em que a força motriz da produção está no trabalho imaterial – e o maior capital é o capital humano, gerando um abuso de si – , voltar a pensar o corpo, parece uma das ferramentas para a reflexão sobre do que hoje se denomina sustentabilidade e a
subjetividade da existência. Voltando um pouco no tempo, em 1991, no começo de sua carreira artística, Leila já produzia trabalhos em que os corpos já eram mutilados, manipulados, com porções limitadas de matéria, que ela chamava de corpos urbanos, orgânicos, metálicos, cartográficos, pedaços, recortes ampliados do avesso e do direito, de um dentro e de um fora. Ela buscava o volume e o entre e sai de uma superfície maleável e mutável, ou seja, o movimento da vida. Para isso utilizou materiais moldáveis, como tecidos, barbantes, palha de aço, estopa, papel, algodão, que permitiam formata-los, como se fossem esculturas. O tato com a superfícies irregulares, superfícies que atraem e repelem, são corpos soltos, parecendo órgãos. Leila Reinert, formada em artes visuais e design, doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP, desenvolveu pesquisas que enfocaram a percepção sensível na comunicação de pensamentos sutis. Entendendo a multiplicidade dos campos de conhecimento que abrangem o fazer artístico referentes à memória e ao aprendizado, que refinam nossa percepção sensível.
Em 2001, Leila se debruçou na fotografia. Na exposição “Quando a fotografia é encontro de Peles”, ela experimentou a fotografia e seu campo de luz. Sua experiência foi dos materiais como a caixa preta, papel fotossensível e um corpo, e aglutinante Luz (Pin-Hole).
Um corpo intermediário graduando a luminosidade, um desenhar com a luz, o pequeno orifício na caixa de papel preto que permitia a justa entrada de luz, Etant Donnes… Considerando a estrutura como aquilo que condiciona o conjunto do campo perceptivo, o que pode ver de um mundo sem outrem, nem sujeito que olha, nem objeto olhando, mas eterno presente onde a consciência e seu objeto não fazem mais do que um. Fotografar
para Leila, com uma caixa preta era, no fazer, eliminar outrem. Não havia desejos, não havia outros mundos possíveis, mas somente abandono ou desapego.
Um pensamento se constrói a partir da experiência, não mais a manipulação da imagem; faz-se necessário manipular o próprio olhar, a para além de um corpo. é o corpo da imagem que se apresenta.
No texto crítico da curadora Stella Senra, 2001, para exposição “Quando o cotovelo vira coração, poderá a dor dar?” está consignado que o nome da exposição já reflete o que o expectador pode esperar. Inicia-se pelo título da exposição: uma pergunta que se vale de um o jogo fonético com as palavras (dor/dará) e a sugestão de um deslocamento (coração/cotovelo), que evoca ainda a metáfora “dor de cotovelo”. Até mesmo a dúvida na forma de indagar, ou seria uma ironia?
Nessa mesma exposição, há duas placas de vidro quadrado levemente apoiadas uma sobre a outra com orifício no meio; de cada lado desse orifício, elevam-se dois moldes em parafina na forma arredondadas de dois joelhos – lembrando Duchamp em
suas colagens e o Grande Vidro. Em 2001, na exposição “Uma luz é algo mais que um fato curioso”, onde são fotografadas garrafas, nota-se um tipo de pintura reversa, as camadas de cor das fotografias são retiradas com cândida. Depois as fotos são fotografadas novamente para, depois, serem ampliadas. O resultado é impressionante e inovador. Na exposição “A casa é o habitat do hábito“, 2001, Leila parece ter vivido a pandemia, pois retrata as repetições diárias, as manias, os deslocamentos do corpo, o lado da cama, o lugar, a mesa.
Meros detalhes, mas que constituem nosso lugar ao mundo, o “habituar-se sempre de novo”. Segundo Leila: “Em instante, muito menos que um segundo, um pequeno lapso, em fotos com um longo período de exposição, o tempo se alonga e um instante pode durar horas. O diafragma é aberto e a película lentamente bombardeada pela luz enquanto o fotografo espera. Quinze minutos. Quarenta, uma hora ou mais, quando a foto se revela, é ainda o instante que se apresenta, mas o instante de um tempo concentrado, denso”.
Assim é o trabalho: fotografias que desvendam os espaços do hábito, sugerindo um estranho aconchego.
Em 2002, Leila expôs na Funarte, “Da alternância dos ritmos”, uma instalação, onde utilizou uma ferramenta que ela mesma produziu, e com qual tirou fotos sob diferentes ângulos, dependendo da luz. Os resultados foram extraordinários. Na exposição “Amor e Falto-retratos”, 2006, Leila nos apresenta um vídeo e fotografias. São blocos de fotografias e um vídeo experimental que compõem a exposição Amor e Falto-retratos. Fotos de um corpo, do quarto e de rosas, temas clichês na história da fotografia. Tudo, aparentemente, muito banal. E é bem do que se trata nessas fotografias, de pura aparência inventada pela luz. São imagens frágeis e fugidias de corpos “quase” ausentes, que evocam o trágico. Pois, como afirmou Jean-Luc Godard, em Detetive: A catástrofe é a primeira estrofe de um poema de amor. Assim também o vídeo se comporta, uma linha desenhada a partir de uma fotografia do perfil de dois amantes, põe-se em movimento ao som de um texto extraído do “Tratado do amor Cortes”, de André Capelão. A sobreposição da voz embaralha a fala e dificulta a compreensão. Atordoar é a função. Em 2003/2008 Leila nos apresentou “Noites Brancas”, fotografias onde o tempo se apresenta como embalsamar do instante, tornando-as eternas num lapso. São visões que ela capta de sua janela, de lugares, de fotos noturnas, tiradas com longo um período de exposição, ou seja, o diafragma da câmera permanece aberto por muito período. Leila procura, dessa forma, discutir qual é a duração do instante, e qual é o resíduo de memória do olhar distraído do fotógrafo, não pela multiplicidade do entorno, mas pela pouca capacidade de concentração.
Leila, na sua riquíssima criação, nos legou muitos cadernos de artista e anotações preciosas do seu pensamento. Neles deixa eternizados registros de um fazer constante, quando diz que: “minhas obras representam uma maneira de pensar e de articular ideias. E hoje nem era uma noite de lua cheia, mas todos estavam presentes, um mundo dos possíveis”.

Loly Demercian

Exposição Crônicas Daquele Dia

Artista Juan Reos


Sobre a exposição

Crônicas daquele dia

Juan Reos, Buenos Aires, Argentina, 1983

Juan Reos, argentino de Buenos Aires, guarda um fascínio pela paisagem de sua terra. Encantado pelo Pampa, encontrou-se com as nuvens dessa grande planície de pradarias e campos abertos.

Ao penetrarmos na galeria, as obras distanceadas da parede, em pequenos estandartes desfraldados (Fig 1), reagem à passagem do visitante com o ar que se desloca.

     Fig 1

E, em cada imagem, um espaço em recuo abre a cena total: vinte e quatro modos de apresentar as luzes de um dia na vida de Juan Reos, esse artista que se aproxima da pintura metafísica mas, na verdade, é um colecionador de impressões vividas. Na presente mostra, Crônicas daquele dia, Juan nos oferece um encontro com reminiscências do ver os lugares vividos e perdidos, em atmosferas transcendentes, cheias de vazios, cavidades e coisas de onde sair e entrar.

Pedaços de territórios suspensos.

Fig 2
Fig 3
Fig 4
Fig 5
Fig 6

Os olhares voltam-se à procura de recolher a aura do amanhecer até o anoitecer (Fig 2 a Fig 5), o início, o princípio que se dobra sobre sobre si mesmo, o acontecimento fugidio, incontrolável e circular do tempo diário. Por sobre essas superfícies iluminadas, um dia passa e “códigos sem significados” (Fig 2), nas palavras do artista, desenham-se à busca de algum acidente soberano. Dançam por sobre a abóboda celeste fiapos de nuvens (Fig 3) que se desprenderam do fundo à procura de um entre-mundo (Fig 4), deixado ali pelas lembranças da paisagem vivida. Ficção, simulacros, fragilidade, história e memória sustentam a imagem por dentro (Fig 5) e nos fazem tatear ao redor das inquietações de Juan.

Na presente mostra, Crônicas daquele dia, em cartaz a partir de 18 de novembro, na Casagaleria, Juan transforma suas interrogações em pinturas orquestrando essas heranças próprias e referências fundamentais da arte e da história da arte. Juan ilumina sua poética de arqueologias escavadas no próprio ser e as reveste com seus resíduos. Um vídeo completa as referências. De aberturas fantásticas, pequenos cenários anunciam o dia e sua passagem, situando a temática da exposição em alguns limites da representação.

Juan Reos nasceu em Buenos Aires, Argentina, em 1983. A pintura é a linguagem onde guarda todos os indícios e restos dos diálogos estéticos feitos em lugares onde esteve. Em 2014, participou da Residência Artística da Fundação Armando Álvares Penteado, São Paulo e em 2019, fez a Residência Artística De Liceiras, no Porto, em Portugal. Seu questionamento como pintor está ao lado dos rumos da arte contemporânea, ao lado da performance, instalações fotográficas, vídeos e a própria arte na web. Desdobramentos dessa pesquisa plástico-visual puderam ser vistos em exposições individuais e coletivas em São Paulo, Paris e Montevidéu. Em 2018, conquistou o primeiro prêmio no concurso Itaú de Artes Visuais, Argentina. Atualmente, é professor na Cátedra Bissolino da Universidad Nacional de las Artes – UNA, Argentina, a mesma em que se tornou Bacharel em Artes Visuais.

Todos os aspectos da exposição Crônicas daquele dia situam uma linguagem significativa para a arte atual, cujas malhas deixam passar o olhar de Juan Reos que vê nas sombras da sua cultura as tessituras de um mundo que não pode ser desfeito.

Carmen S. G. Aranha[1]


[1] Professora Associada Sênior do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP) e do Programa de Pós Graduação Interunidades em Estética e História da Arte da Universidade de São Paulo (PGEHA USP). Autora do livro Exercícios do Olhar. Conhecimento e Visualidade (UNESP, FUNARTE, 2008).

Exposição Pertencimento

Sobre a exposição

Otavio inicia uma investigação dos processos e dos fenômenos materiais para criar estruturas em suas composições, ressaltando a preocupação de não operar sobre a superfície dos papeis. Ele utiliza as tramas que surgem no papel poroso – de ambos os lados – e as texturas da madeira. A sensação de pertencimento, de algo que não foi imposto ao suporte, só se cumpria pela sua capacidade de acentuar a presença do meio que as abrigava, o papel. O esforço para dar às linhas uma desenvoltura mínima, a busca de limites, tem como contrapartida a descoberta de uma inserção que ativa os campos com uma força inesperada.

Segundo Baudelaire, “a percepção pertence desde início à lembrança”. Nesse sentido, a nova produção do artista visual Otávio Zani busca em suas memórias e lembranças traços de uma permanência nesse mundo. Existe uma memória permanente que mantém a identidade das coisas.

Nos trabalhos anteriores que estão presentes na exposição, Otavio analisa a linguagem por outros caminhos: inicia uma certa subversão dos procedimentos e percebe que o peso gráfico é um fator compositivo que o interessa, além de uma certa imperfeição da impressão que dá possibilidade para que a imprevisibilidade comece a pairar sobre os planos gráficos. São várias técnicas executadas com fluidez. Ao passar de uma técnica para a outra e sem que uma se sobrepuje à outra, Otavio tece uma rede na qual o fazer vai situando as manchas da memória.

Nessa nova produção, propõe-se que as possibilidades das direções das linhas sejam horizontais e verticais. Os traços são mais marcantes, assim como a palheta reduzida, evidenciando a opacidade de um solo, as espessuras camadas pictóricas, a terra. As intervenções cromáticas, em tons marrons, de terra queimada. As cores básicas do interior de São Paulo onde sua família morou. A paisagem do interior do Estado de São Paulo surge aí como uma âncora na história, uma relação emotiva com o passado.[1]

São percursos do esquecimento essencial que, uma vez intensificados por uma luz, um odor, um gesto, projetam-se em visualidades nos materiais e procedimentos da impressão gráfica.[2]

Loly Demercian


[1] Peixoto, Nelson Brissac. Paisagens Urbanas. Ed.marca d’agua. Senac.São Paulo, 1996.

[2] Aranha, Carmen. Livre-Docente em Teoria e Crítica de Arte pela Escola de Comunicação e Artes da USP – ECA USP (2001). Professora Doutora (MS-3) (1993-2000) e Professora Associada (MS-5) do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo – MAC USP (2000-2016). Professora Associada Senior a partir de dezembro de 2016 – MAC USP.

Exposição Tempos que Habitam em Mim

Sobre a exposição

Carlos Habe 1, 2022

O título escolhido pelo artista Azeite de Leos para essa ex- posição (que tem a intenção de ser uma reavaliação dos últimos 10 anos de sua produção artística) não poderia resumir de melhor forma a questão que permeia toda a sua obra: a impermanência, a tentativa vã do homem de transcender seu tempo e de “deixar uma marca”. Segundo a galerista e historiadora da arte Loly Demercian 2 “Azeite de Leos nesses últimos dez anos, fez uma retomada, uma reestruturação em seu fazer, e olhando para trás, nos trabalhos realizados, foram marcados por um tempo que ali existiu, e, ao questionar a integridade da matéria, trás a tona a nossa própria fragilidade e efemeridade”.
O tempo não retrocede, o tempo não avança, apenas é. O tempo existe. Sempre! A infinitude do tempo é o contraponto irônico de todo o desejo do homem de construir algo que perpetue, que não tenha fim. Essa antiga (e eterna) problemática do homem de agir/construir/criar apesar do tempo, parece se manifestar fortemente na pesquisa artística de Leos. Podemos encontrar em toda a sua produção o diálogo estabelecido entre a ação do homem e a ação do tempo. No começo de sua trajetória, a base de sua produção artística estava fundamentada nas intersecções entre desenho e escrita, enquanto manifestações possíveis de ambos no campo do fluxo de pensamento e da criação de narrativas, como explicitado pela artista e pesquisadora Beatriz Rauscher 3 em seu texto “Onde o desenhar coagula” 4 so- bre a obra do artista: “O eixo dos investimentos poéticos de Azeite de Leos está na intersecção entre desenho e escritura. O desenhar é ação fundadora e construtora das micronarrativas criadas por ele, trata-se de um desenhar se fazendo, um desenho fluído e em fluxo”. E se este desenho se manifesta na forma de um fluxo (ou seja, o modo contínuo, o curso constante), cada trabalho poderia então ser percebido como uma forma de registro (registro do pensamento, registro do movimento do corpo, registro de um momento). Portanto, era natural que o artista começasse a se interessar, dentro de sua pesquisa plástica, pelas possibilidades do suporte, por dar um caráter envelhecido ao suporte do de- senho – se o desenhar era o registro da ação do homem, do pensamento, do gesto e, principalmente, de um instante, o suporte, portanto, precisaria “denunciar” a passagem do tempo.
Inicialmente, Azeite de Leos oxidava, sujava e “maltratava” o papel no qual posteriormente iria desenhar, mas aos poucos percebeu que esse procedimento não era muito “autêntico e sincero” e, gradativamente migrou do papel para telas nas quais registra a passagem do tempo ao serem impressas por muros deteriorados. Essa mudança de suporte possibilitou novos procedimentos para a realização dos desenhos, os escritos eram realizados com tinta, linhas “em negativo” surgiam ao utilizar ponta seca, gravetos ou qualquer outro instrumento para desbastar manchas feitas de betume e marcar as texturas que surgiam a partir dos resíduos dos muros depositados na tela.
“Essas marcas que o artista enfatiza e revela, são desenhos que se produzem como uma gravação. O gravar tem origem nas primeiras manifestações do homem, que com instrumentos de corte fazia incisões sobre as superfícies para registrar algo assim, o gesto da gravação traz, além do sentido expresso na imagem ou texto executado, o sentido de permanência, de durabilidade daquele gesto. Então, incisão e corrosão, como as marcas contundentes nessas superfícies, trazem para o trabalho a qualidade da cicatriz” 5 .
Esse novo resultado estabelecia o confronto entre o registro da ação do homem (o gesto, o desenho, a escrita) e o registro da ação do tempo (impressão dos muros). Remetendo a uma visualidade de um mundo em transformação, de paisagens urbanas à deriva.
Em sua última série de trabalhos, Azeite de Leos retira as texturas e os substratos/resíduos do mundo e os recompõem em camadas, mas deixa essas camadas bem definidas, não as sobrepõem de modo que resultem em uma fusão. As imagens dos muros são registradas em monotipias (agora, em pedaços de tecidos, não mais em uma tela montada em um chassi) e depois utilizadas, através de colagens e de justa- posições, para compor “quadros” que, por sua vez, configuram representações de diferentes tempos, um diálogo de diferentes “marcas” (do tempo, da matéria, dos gestos e escritas dos de- senhos).
Nesses trabalhos, ainda percebemos os planos distintos, as camadas que, em suas últimas produções, chegam a se “de- pendurar” do chassi – neste caso a utilização do chassi ganha importância por ser um comentário acerca do status da arte – suportando de forma precária as camadas de tecidos. Essas “lascas de tempo”…
Registros, depositários, testemunhas do tempo. O debate sobre o suporte e a constituição de uma poética do registro é o que torna Azeite de Leos um dos artistas mais interessantes de sua geração. Seu trabalho não reflete a experiência contemporânea de velocidade, de “flash”, de superficialidade de dados… mas se constitui como um ato de resistência, de resgate da materi- alidade, resgate de experiências mais íntegras com as coisas do mundo. A experiência do agora.
 


1 HABE, Carlos. arteterapeuta, arte-educador ; é mestre em teoria, Crítica e História da Arte pela FASM- SP, especialista em
avaliação de aprendizagem pela PUC-Cogeae, psicopedagogo pela UniFieo e arte educador pela FAAP-SP; é professor do curso de pedagogia da Unifae.

2 DEMERCIAN, Loly. Doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo , é membro do Grupo de Pesquisa em Comunicação e Criação nas Mídias (CCM) da PUC/SP. É curadora independente. Realizou mais de 30 exposições em artes visuais e projetos culturais. Autora dos livros: Arte/Educação no Ensino Médio: Um estudo sobre a utilização das novas mídias / Diálogos Possíveis: o tempo e a duração na videoinstalação.

3 RAUSCHER, Beatriz é artista; doutora em Póeticas Visuais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul; foi bolsista CAPES na Université Sorbonne Nouvelle – Paris III; é professora no Programa de Pós- Graduação em Artes da Universidade Federal de Uberlândia (UFU-MG) e líder do Grupo de Pesquisa “Poéticas da Imagem” UFU/ CNPq.

4 Em seu texto Onde o desenho coagula feito para a exposição Entre Processos do artista Azeite de Leos, Beatriz Rauscher recorreu as ideias em torno do conceito de “arqueologia da impressão” apresenta- do pelo filósofo Georges Didi-Huberman em sua obra La ressemblance por contact.

5 RAUSCHER, Beatriz. Onde o desenho coagula.

Exposição “Calma Tormenta”

Artista Julia Benetton

Texto crítico: Loly Demercian, 2022

JULIA BENETTON nasceu em Piracicaba (1992), tem formação em design gráfico e bacharelado pela FAAP/SP e Design Communication pela University of the Arts (UAL) em Londres/Reino Unido. Realizou exposições na: Escola BauhausPiracicaba, SP – Brasil (2018); “King’s Cross Illustrator’s Christmas FairLondres”, Reino Unido (2016) e Centre Du Graphisme d’ÉchirollesÉchirolles – França (2015). Transitou por diversos países, com diferentes culturas, desde a Inglaterra até as ilhas escondidas no Vietnã.

Para falar sobre a artista visual Julia Benetton é necessário retroceder-se um pouco para suas primeiras pesquisas, anteriores à pandemia. Suas pesquisas na primeira olhada revelaram-se como trabalhos eróticos, sensuais e gestos rápidos. Com agilidade expressionista, descortina uma intimidade com os pinceis e desenhos. As cores escolhidas, a saber: os vermelhos, verdes, cores puras, foram muito usadas pelos artistas expressionistas alemães , especialmente Egon Schiele, com  estilo mais agressivo e trágico. Julia se aprofundou neste último artista, estudando os  matizes, tons  vermelhos , laranjas e o sofrimento aliado à sexualidade. O artista brasileiro que mais se aproximou dessa estética foi Flavio de Carvalho, que, em obras inéditas das gravuras e desenhos, retratou o corpo feminino com traços fortes e marcantes.

Os trabalhos com nus femininos de Julia, com suas linhas e cores fortes, sugerem, paradoxalmente, que a nudez já não importa tanto, mas sim o que está dentro da pele, o que reveste o corpo. O que o corpo suporta.

Com a pandemia, Julia fixou sua morada no litoral norte de São Paulo, lá pode refletir um pouco sobre sua estética, o modo como pintava e desenhava. Sua vida se tornou mais leve; o mar e a vegetação foram sua inspiração para viver o presente.  A verdade é que o isolamento imposto pela pandemia forçou pessoas a se confrontarem consigo mesmas. Nesse processo, muita gente repensou suas rotinas e deu viradas bruscas de emprego, endereço ou relacionamento.

A sua própria atividade cultural e artística diversificou-se e novos temas, impensáveis no passado, passaram a interessá-la como motivos para seus novos trabalhos e as suas pinturas. À semelhança do que ocorreu com Jean- Baptiste Debret (1768-1824) que em sua longa permanência no Brasil, colocou-se com uma realidade totalmente diversa, pitoresca, deixou o neoclassicismo e foi atraído pelo colorido dos produtos naturais encontrados em nosso País, pintando laranjas, bananas, abacaxis, mangas, e outras frutas exóticas, numa composição original, além, dos assuntos indígenas e paisagens.

Julia liberou sua imaginação nas pinturas de paisagens do Litoral Norte de São Paulo (São Sebastião), registrando seu cotidiano, como as ondas do mar, a exuberância da floresta, as plantas litorâneas, rios, riachos, imortaliza na pintura. Esses trabalhos estão em “Vagator Beach (2020); “Entrelaço das folhas” (2021); “Palma tranquila” (2020); “Calma Tormenta” (2022); “Guaimbê” (2019); “Saudação ao sol” (2021) e ‘Abacaxi” (2018), dentre outros.

Sua versatilidade será mostrada na exposição “CALMA TORMENTA”, na Casagaleria e oficina de arte Loly Demercian, a partir do dia 08 de julho a 06 de agosto de 2022. Nesse momento de tranquilidade, Julia descortinou outras frentes, como a atividade de muralista e decoração de ambientes, trazendo diversidade nas criações e uma poética personalizada para cada projeto.  Contaremos com uma pintura na parede da galeria, mostrando sua versatilidade de produção.

Exposição “Eu, o outro e o meio”

LIBERDADE DE INÍCIOS
Loly Demercian, 2022

Segundo o teórico dinamarquês Simon Sheikh, o campo da arte transformou-se num campo de possibilidades de intercâmbio e análise comparativa. Ele tem se transformado numa área de pensamento, de alternatividade e pode agir como intermediário entre diferentes pensamentos e modos de percepção, como também entre posições e subjetividades.
Nesse sentido as artistas Debora Knittel, Eliane Matos, Lilian Grunebaum, Mariane Chicarino e Bruna Rinaldi se reuniram em tempos de pandemia, juntamente com o professor Dimitrov, e puseram em prática suas experiências cotidianas e seus modos de ver os impactos causados pela pandemia, em expressões artísticas, cada uma com sua especificidade. Não mais em uma produção artística, mas na articulação de pensamentos que percorrem a comunicação visual – não exclusivamente – de pensamentos sutis no contemporâneo.
As artistas tiveram como norte a memória e lembranças de um tempo que passou ou de um tempo que ainda tende a ficar, Como destacou Walter Benjamim, […] a lembrança é o complemento da ‘vivência’, nela se sedimenta a crescente auto alienação do ser humano que inventariou seu passado como propriedade morta. No sec XIX, a alegoria saiu do mundo exterior para se estabelecer no mundo interior. A relíquia provém do cadáver, a lembrança, da experiência morta que, eufemisticamente, se intitula vivencia.
As produções das artistas se deram fundamentalmente sob os impactos da pandemia, procurando dar formas às suas culturas e ancestralidades, resultando os pensamentos mais profundos. Criaram-se produções estéticas nos mais variados conceitos artísticos. Uma verdadeira catarse de sentimentos e aprofundamento em suas pesquisas. Suas singularidades são explícitas na medida certa.
A artista Debora knittel psicopedagoga, já escreveu alguns livros infantis. Em suas pesquisas explora matérias naturais, como, por exemplo, pigmentos vegetais sobre fibra de bananeira.  Como se os materiais tivessem uma memória de existência, ou seja, a impermanência das coisas nesse mundo. Deseja sempre estar em contato com essas questões de coexistir neste mundo e não separar, estar junto e em pleno contato com a ecologia, Krenak, em seu livro “A vida não é util“, disse que: […] nossa ignorância em não entender e tratar a Terra como um organismo vivo, com uma linguagem própria com a qual devemos interagir para além do consumo predatório de suas riquezas.
 A artista complementa: “Meu olhar e coração transitam pelas tradições ancestrais, pelos saberes dos ciclos, pelas águas dos rios e dos mares, pelas matas e florestas, pela amplitude do céu, por todos os cantos da Terra que revelam a teia dessa magnífica biodiversidade de macro e microcosmos”.
A artista Lilian Grunebaum formada em Arquitetura e Urbanismo. Trabalhou por anos como designer de interiores. Sua pesquisa atual tem como referências históricas e o confronto com a herança da tradição judaica, abordando memórias individuais e expandindo-as para memórias coletivas, tão presente na arte contemporânea. Em seu trabalho “Tecendo trajetórias”, 2022, e a instalação “União, 2022 “, que são tranças e fios , tendo como referência de certos procedimentos de Tunga, quer  produzir uma analogia ou encontro de energias esculturais e energias dos ancestrais, introduzindo uma tensão entre imagem e a matéria que coloca em suspenso o significado que temos do objeto.
A artista Bruna Rinaldi é estudante de psicologia e em suas pesquisas atuais apresenta composições em monotipias que trabalham a fragilidade das narrativas cotidianas, dialogando e transpondo as impressões de uma permanência e impermanência transitória. Impermanência, porque seu objeto investigado foi o plástico, muito falado e discutido durante a pandemia, como se o plástico fosse a parede entre as pessoas (o material plástico que é descartável, que é volúvel).
Em seu trabalho “Qual o meio possível do toque”, 2022 (uma instalação), Bruna busca analisar a potencialidade das formas e das transparências, ao mesmo tempo em que demonstra uma consciência e atenção às forças estruturais do campo bidimensional e tridimensional do suporte.
Eliane Matos se formou em Design de Moda. Sua criatividade de construção estética é oriunda de uma perspectiva espiritual. Situando na história da arte, verificamos que Eliane tem como norte a pintura como processo, partilha a necessidade de se expressar através do ato imediato e espontâneo de pintar. Como representantes desse modo de ver a pintura destacam-se:  Rotko, Pollock e Newman, na Action Painting, o gesto e a pincelada , no caso da Eliane o dedo, expressam-se mais a si mesmos do que a qualquer outro significado que lhe seja exterior; o processo de pintar representa o conteúdo da pintura.
A artista Mariane Chicarino é formada em publicidade e marketing, mas sua verdadeira paixão sempre foi a arte que estudava e desenvolvia em paralelo, e à qual hoje se dedica integralmente. Em suas pesquisas atuais, Mariane observa seu cotidiano, a vida trivial, a cultura pop como manifestação artística. Desde as colagens, as pinturas, as sobreposições de imagens, as cores, cada figura em seu quadro representa alguma coisa, segundo a cultura pop. A colagem revela três coisas, a saber: primeira, um misto de fascínio e de ironia em relação aos símbolos; segunda, o significado da colagem como típica da POP, derivada da prática cubista, dadaísta e surrealista; terceira, a inteligência e a sofisticação de uma composição repleta de alusões e de ambiguidades.

Exposição “Em se pisando tudo dá!”


Sobre a exposição

EM SE PISANDO, TUDO DÁ! 1
Escrever sobre os trabalhos do artista visual Milton Blaser não é uma tarefa fácil, por envolver situações atuais e experiências de vida. Para ser artista na contemporaneidade é curial saber atualizar-se sempre, numa relação direta com as coisas do seu entorno. A experiência vivencial é mecanismo fundamental nesse processo.
Deleuze e Guattari sugerem que, se existe progressão na arte, é porque ela não pode viver sem criar novos perceptos, novos afetos, especialmente a construção de novas significações, a partir do desenvolvimento da figura da “experiência primeira“, além do contato direto do expectador com a obra, num diálogo com o mundo em tempo real.
Passados dois anos de paralisação e letargia no mundo por conta da pandemia, as experiências foram compartilhadas e transmitidas pelas telas de computadores, com a utilização de mídias sociais. Milton, nesse tempo de reclusão compartilhada, deparou-se com questões que afligem, desde sempre, suas memórias sobre intolerância e alteridade, ou seja, perceber o outro como uma pessoa singular e subjetiva.
O artista, que tem ascendência judaica, conhece bem as questões que envolvem a intolerância racial e religiosa. Ele se deparou com essas experiências pós-pandêmicas num simples supermercado de bairro; numa situação discriminatória, ele se sentiu frágil por não poder reagir em assuntos delicados de intolerância racial e de minorias. Foi por essa situação vivencial que Milton começou a pesquisar e usar sua criatividade, de modo a deflagrar e denunciar as atrocidades contemporâneas.
Na Exposição realizada na CASAGALERIA e oficina de arte Loly Demercian, “EM SE PISANDO TUDO DÁ “, Milton Blaser apresenta sua pesquisa baseada no antropoceno, patriarcado, masculinidade e a invisibilidade das pessoas.
Em relação ao início de toda a discriminação da cor, no trabalho “Tiranias” (2022), ele retrata a potência do patriarcado dominador. Milton traduziu essa experiência em papel Kraft, pintados nas cores brancas e pretas, com enormes pênis, servindo como estandartes de uma imensa selva de genitálias, como se a masculinidade fosse o centro do universo.
No século XVIII, em 1788, o teórico de arte Claude-Henri Watelet afirmou em seu verbete do Dictionnaire des Beaux-Arts [Dicionário de Belas Artes], que branca exprimia a luz e, consequentemente, na era do Iluminismo, a clarividência e a inteligência humanas guiadas por um desejo de perfectibilidade. Nesse período ele já utilizava a metáfora do Iluminismo como forma de evocar um conjunto de projetos e debates jurídicos, filosóficos, artísticos, científicos e literários. A associação, por um lado, entre a raça branca e o progresso racional, e, por outro lado, entre a raça negra e a ausência e privação deste – que pode ser deduzida não apenas naquela inofensiva sentença, mas, de modo geral, nos discursos estéticos do século XVIII 2 .
Segundo Anne Lafont, a produção artística e o discurso do século XVIII, produziram ferramentas de observação, permitindo que os seres humanos fossem diferenciados e também classificados implicitamente em escala moral, numa iniciativa que posteriormente redundaria em racismo explicito.
Percebemos também que, além do racismo (nas cores que o artista escolheu), há também a questão da representação do pênis na arte, deflagrando o machismo que compõe e dita normas desde os primórdios da civilização, remontando à arte Grega.

No trabalho PRENSA (2022)Milton sobrepõe pisos sobre imagens de pessoas, representando semioticamente indivíduos invisíveis, fazendo uma alusão à destruição do ecossistema e o subjacente interesse econômico. Para chamar a atenção do espectador, o artista fez um buraco no teto da galeria, que permite a visualização do céu, posto que um pedacinho dele. Vê-se, portanto, a natureza refletida no trabalho, para dar ideia de ações do homem em relação a áreas devastadas, desvios de rios e o próprio lixo que produzimos todos os dias (o entulho do teto faz parte do trabalho).
No terceiro trabalho, ANÔNIMO (2022), o artista fez dois painéis: o primeiro, retratando rostos de pessoas; o segundo, sem rostos, sugerindo a existência de indivíduos que não são olhados ou notados no sistema do poder. Como ressalta Ailton Krenak: […] o antropoceno tem um sentido incisivo sobre a nossa existência, a nossa experiência comum, a ideia do que é humano. A conclusão ou compreensão de que estamos vivendo uma era que pode ser identificada como antropoceno, devia soar como um alarme nas nossas cabeças. A grande maioria está chamando de caos social, desgoverno geral, perda de qualidade no cotidiano, nas relações e estamos jogado ao abismo. 3

  • Loly Demercian

1 O nome remete a carta de Pero Vaz de Caminha sinalizando colonização e exploração da terra
“descoberta”.
2 Revista ARS42- artigo inédito de Anne Lafont, com tradução de Liliane Benetti . “Como a cor de
pele tornou-se um marcador racial: perspectivas sobre raça a partir da História da arte”
3 Krenak, Ailton . “Ideias para adiar o fim do mundo”. Companhia das letras, 2019.

Exposição “Existir, girar, resistir”

Marietta Toledo

Sobre a exposição

Marietta Toledo voltou de uma residência artística em Epecuén, na Argentina, trazendo em sua bagagem memórias de um lugar devastado pelas águas salinizadas. Epecuén foi o maior polo de turismo termal da província de Buenos Aires e um dos mais importantes daquele País. Suas águas mineralizadas – com uma concentração de sal até dez vezes mais alta do que os mares em geral – eram comparadas às do Mar Morto e, por isso, atraíam muitas pessoas em busca de tratamento ou apenas para flutuar na salinidade daquela massa líquida. Fotos da época mostram enormes piscinas públicas, castelos suntuosos e milhares de pessoas com expressão feliz, incapazes de imaginar o que aconteceria. Em 10 de novembro de 1985, o lago transbordou por razões naturais – excesso de chuvas –, mas sobretudo por irregularidades numa obra pública, já então amplamente denunciadas: durante a década de 70.

Segundo a revista Piauí (“Cidade Submersa, edição 103, abril 2015), Epecuén nasceu como estância turística no início do século XX. Era o reduto de uma classe alta que, em busca de saúde, podia realizar longas travessias em coches. Num tempo em que a penicilina ainda não havia sido descoberta, os visitantes creditavam à alta salinidade do lago o milagre da longevidade. Em poucas décadas o povoado viveu uma explosão comercial. Em 1940, já oferecia 5 mil leitos, edifícios construídos ao gosto da Belle Époque, um hotel com escadarias de mármore e uma insólita construção medievalista –  o famoso Castelo da Princesa – incrustada em plena planície bonaerense e habitada por uma francesa de linhagem real.

Nessa atmosfera, Marietta transitou em cenários, repletos de histórias. Viu garrafas, mosaicos, pedaços de rodas, cacos de louça, tocos de árvores, gaivotas , flamingos , tubulações corroídas e um cenário de cidade vazia de vida.

As fotografias traduzem seu olhar imparcial das representações do espaço/tempo de Epecuén. Elas refletem, na verdade, discursos que tendem dar novas visibilidades na feitura dos trabalhos, marcados por tecidos luxuosos, com flores, brilhos e rendas, tal como na Belle Époque.

Reconstruindo um pensamento do tempo perdido nas águas salgadas de Epecuén, as tensões visuais ficam na estrutura de pensamento,  uma visibilidade iminente, e podem alojar-se no ser sem nenhum discurso .

E nessa inquietação  do pensamento, Marietta fez um recorte nas imagens  como uma troca com o mundo visível,  dando-lhes dezenas de possibilidades de construção em suas sensações, isto é, “cifras desenhadas num imaginário “.[1]

Essas cifras desenhadas, têm a forma do círculo, que poderia significar também como volta, giro, rodeio, circuito, orbita, rotação, âmbito, alcance, área, extensão, limite. O mundo é representado pelo círculo, por essa volta das coisas que emergem da terra. “As civilizações e épocas, por mais afastadas que estejam umas das outras, tornam-se, num certo sentido, contemporâneos de todas as imagens inventadas por um mortal, pois cada uma delas escapa, misteriosamente, do seu espaço/tempo”.[2] 

Loly Demercian


[1] Revista ARA n. 8. Volume 8.Imagens e projeções : Carmen S. G. Aranha

[2] Debray,Régis: Vida e morte da imagem: uma historia do olhar no Ocidente. Vozes. Petropolis, 1994

Exposição “A Dobra”

Maurity Damy

As dobras[1] têm várias partes que são multifacetadas nas maneiras de fazê-lo, tornando-se um labirinto, ou,  como diz o artista, “um labirinto de predicados”.
Observando-se os trabalhos de Maurity, cada quadro nos leva a um labirinto de significações, com histórias, com predicados. São alegorias do barroco, pois em seus trabalhos observamos técnicas e conceitos do barroco, como, por exemplo, o alargamento horizontal da base, o abaixamento do frontão,  traços curvos, ângulos retos e cantos arredondados. Identificamos essas características nos trabalhos “Introspectivo” (2014) e “Apoteose” (2014), entre outros.  Como dizia Leibniz, “não há retas sem curvaturas entremeadas”, mas também não há curva de uma natureza finita sem mistura de alguma outra. Trata-se não mais da possibilidade de determinar um ponto anguloso entre dois outros, por mais próximos que estejam, mas de sempre acrescentar-se um rodeio, fazendo-se de todo intervalo o lugar de um novo dobramento. E nessa turbulência de pontos fractais do movimento da mão, abre-se a dobra, uma nova afecção, encontros pontuais de um corpo com outro, onde Maurity tira suas ideias e produções.
Nos trabalhos atuais, a reclusão por conta da Pandemia, notam-se profundos dramas da contemporaneidade, desdobrando-se sempre nos corpos dos protagonistas das cenas dos quadros.
Nos trabalhos “Catarse” (2021) e “Sonho Metropolitano 1 e 2” (2021), destaca-se luz forte e desfavorável; mostram-se traços fugidios, gestos traidores, dissecando assim relações entre pessoas, intimidade, nudez e papel social de sua transgressão, solidão, sexualidade, voyeurismo, em suma, tudo que atrai o observador em seus devaneios.
As composições diagonais do corpo de homens ou mulheres, a perspectivas do espaço de origem renascentistas, nos trazem uma narrativa, assim como nas obras do artista Edward Hopper, criando recortes e planos de fuga, onde o artista se orientava pela magia perturbadora do banal .
Maurity, para traduzir suas angústias do banal do ordinário, escolheu tons gélidos ou cores em tons baixo, pessoas sozinhas em transporte público, algo irreal.  Em algumas cenas se sobressai o vermelho. No trabalho “Catarse” (2021), temos um homem sentado numa posição de acomodação diante de uma realidade doméstica; talvez esteja sonhando com a ilusão que é transmitida pela pintura paisagística, em termos de composição da cena, ao contrário daquele espaço no qual se situa o observador.
Assim serão todos os quadros atuais, significativamente vazios, oferecendo apenas um consolo da ficção.


[1] O nome dado a exposição foi basedo no livro de Gilles Deleuze sobre o Leibniz e o Barroco

Loly Demercian