Duas exposições que acontecem na FUNARTE SP
Sobre as exposições
Uma retrospectiva da artista Leila Reinert com a exposição “E a memoria insiste “, no espaço Cultural Funarte, galeria Flavio de Carvalho, que faleceu em 2019, precocemente. E para homenageá-la faremos uma exposição com os melhores trabalhos de Leila desde de 1997 a 2008, após essa data, sua dedicação foi na sua formação acadêmica. E para nos aproximarmos mais de seus trabalhos, traremos artistas contemporâneos , o Grupo Sete + com a exposição “Revisitando Leila Reinert”, espaço Cultural Funarte , galeria Mario Schenberg , tendo a Leila como referencia em suas produções . Será uma revisitação dos trabalhos dela, com o objetivo de percebermos o quanto é atual sua pesquisa e quais os reflexos na estética, na filosofia e na politica do corpo.
Leila foi pioneira na fotografia do corpo, expos com os melhores artistas de sua época ( geração 90), como Rosangela Rennó, Rochelle Costi, Claudia Jaguaribe, Rubens Mano entre outros. Pesquisas que punham o corpo em evidencia, Leila associa a paisagem de seu corpo ( destituído de individualidade) à paisagem da metrópole. Segundo Tadeu Chiarelli , do Museu de arte Contemporânea de São Paulo , escreveu que : o desejo de Leila Reinert de mostrar a impossibilidade de identificar o outro e a si mesmo numa sociedade esfacelada como a atual, criou a necessidade de contrapor a nitidez da fotografia , um certo embaciado, conseguindo através de operações técnicas no processo de produção e/ou revelação da imagem. Ou seja: uma das característica mais marcantes da produção fotográfica que surge no Brasil entre os anos 80 /90 é que ela tende a se apresentar não mais como uma imagem fotográfica bidimensional, plana e objetiva, mas se expande pelo espaço tridimensional da sala expositiva, querendo ganhar uma espessura real e não mais apenas virtual.
Participantes da Grupo Sete +: Ana Carmen Nogueira, Antonio Cavalcante, Azeite de Leos, Gustavo Prata, Julia Benetton, Maria Luiza Mazzeto, Mariane Cavalheiro, Maurity Dami, Marietta Toledo, Milton Blaser, Otavio Zani, Raphaelle Faure-V, Rodrigo Gontijo, Sheila Kracoshansky, Simone Fonseca e Sueli Rojas
Sobre a artista Leila Reinert
E A MEMÓRIA INSISTE
Leila Reinert
Lendo sobre Deepfakes, vídeos realistas feitos com inteligência artificial para manipulação informações, adulteração de imagens e áudios, criando um algoritmo de um usuário anônimo – um conjunto de regras e padrões lógicos – modelos computacionais inspirados
no cérebro humano, sobrepor voz e imagens da vítima escolhida ao rosto de pessoa do vídeo original. Estamos acompanhando uma realidade sintética.
Leila Reinert já estudava a manipulação que fazemos dos nossos corpos e dos nossos sentidos. Ela já estava muito a frente do seu tempo, talvez antecipando as Deepfakes, Fake News, estudando neurolinguística, o designer e a arte.
No ano de 2009, Leila elaborou um projeto no Sesc Pompeia – “Entre o corpo e o espaço sempre há uma coisa”– , que foi desenvolvido por um grupo de aprendizes que ela coordenava e orientava. A partir do estudo sobre a plástica formal dos objetos e
sua contextualização no mundo, sua articulação entre corpo, espaço e o sentido que cada um deles carrega, foram elaborados projetos que ultrapassaram o objetivo inicial da proposta, o exercício do pensamento.
Num mundo em que a força motriz da produção está no trabalho imaterial – e o maior capital é o capital humano, gerando um abuso de si – , voltar a pensar o corpo, parece uma das ferramentas para a reflexão sobre do que hoje se denomina sustentabilidade e a
subjetividade da existência. Voltando um pouco no tempo, em 1991, no começo de sua carreira artística, Leila já produzia trabalhos em que os corpos já eram mutilados, manipulados, com porções limitadas de matéria, que ela chamava de corpos urbanos, orgânicos, metálicos, cartográficos, pedaços, recortes ampliados do avesso e do direito, de um dentro e de um fora. Ela buscava o volume e o entre e sai de uma superfície maleável e mutável, ou seja, o movimento da vida. Para isso utilizou materiais moldáveis, como tecidos, barbantes, palha de aço, estopa, papel, algodão, que permitiam formata-los, como se fossem esculturas. O tato com a superfícies irregulares, superfícies que atraem e repelem, são corpos soltos, parecendo órgãos. Leila Reinert, formada em artes visuais e design, doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP, desenvolveu pesquisas que enfocaram a percepção sensível na comunicação de pensamentos sutis. Entendendo a multiplicidade dos campos de conhecimento que abrangem o fazer artístico referentes à memória e ao aprendizado, que refinam nossa percepção sensível.
Em 2001, Leila se debruçou na fotografia. Na exposição “Quando a fotografia é encontro de Peles”, ela experimentou a fotografia e seu campo de luz. Sua experiência foi dos materiais como a caixa preta, papel fotossensível e um corpo, e aglutinante Luz (Pin-Hole).
Um corpo intermediário graduando a luminosidade, um desenhar com a luz, o pequeno orifício na caixa de papel preto que permitia a justa entrada de luz, Etant Donnes… Considerando a estrutura como aquilo que condiciona o conjunto do campo perceptivo, o que pode ver de um mundo sem outrem, nem sujeito que olha, nem objeto olhando, mas eterno presente onde a consciência e seu objeto não fazem mais do que um. Fotografar
para Leila, com uma caixa preta era, no fazer, eliminar outrem. Não havia desejos, não havia outros mundos possíveis, mas somente abandono ou desapego.
Um pensamento se constrói a partir da experiência, não mais a manipulação da imagem; faz-se necessário manipular o próprio olhar, a para além de um corpo. é o corpo da imagem que se apresenta.
No texto crítico da curadora Stella Senra, 2001, para exposição “Quando o cotovelo vira coração, poderá a dor dar?” está consignado que o nome da exposição já reflete o que o expectador pode esperar. Inicia-se pelo título da exposição: uma pergunta que se vale de um o jogo fonético com as palavras (dor/dará) e a sugestão de um deslocamento (coração/cotovelo), que evoca ainda a metáfora “dor de cotovelo”. Até mesmo a dúvida na forma de indagar, ou seria uma ironia?
Nessa mesma exposição, há duas placas de vidro quadrado levemente apoiadas uma sobre a outra com orifício no meio; de cada lado desse orifício, elevam-se dois moldes em parafina na forma arredondadas de dois joelhos – lembrando Duchamp em
suas colagens e o Grande Vidro. Em 2001, na exposição “Uma luz é algo mais que um fato curioso”, onde são fotografadas garrafas, nota-se um tipo de pintura reversa, as camadas de cor das fotografias são retiradas com cândida. Depois as fotos são fotografadas novamente para, depois, serem ampliadas. O resultado é impressionante e inovador. Na exposição “A casa é o habitat do hábito“, 2001, Leila parece ter vivido a pandemia, pois retrata as repetições diárias, as manias, os deslocamentos do corpo, o lado da cama, o lugar, a mesa.
Meros detalhes, mas que constituem nosso lugar ao mundo, o “habituar-se sempre de novo”. Segundo Leila: “Em instante, muito menos que um segundo, um pequeno lapso, em fotos com um longo período de exposição, o tempo se alonga e um instante pode durar horas. O diafragma é aberto e a película lentamente bombardeada pela luz enquanto o fotografo espera. Quinze minutos. Quarenta, uma hora ou mais, quando a foto se revela, é ainda o instante que se apresenta, mas o instante de um tempo concentrado, denso”.
Assim é o trabalho: fotografias que desvendam os espaços do hábito, sugerindo um estranho aconchego.
Em 2002, Leila expôs na Funarte, “Da alternância dos ritmos”, uma instalação, onde utilizou uma ferramenta que ela mesma produziu, e com qual tirou fotos sob diferentes ângulos, dependendo da luz. Os resultados foram extraordinários. Na exposição “Amor e Falto-retratos”, 2006, Leila nos apresenta um vídeo e fotografias. São blocos de fotografias e um vídeo experimental que compõem a exposição Amor e Falto-retratos. Fotos de um corpo, do quarto e de rosas, temas clichês na história da fotografia. Tudo, aparentemente, muito banal. E é bem do que se trata nessas fotografias, de pura aparência inventada pela luz. São imagens frágeis e fugidias de corpos “quase” ausentes, que evocam o trágico. Pois, como afirmou Jean-Luc Godard, em Detetive: A catástrofe é a primeira estrofe de um poema de amor. Assim também o vídeo se comporta, uma linha desenhada a partir de uma fotografia do perfil de dois amantes, põe-se em movimento ao som de um texto extraído do “Tratado do amor Cortes”, de André Capelão. A sobreposição da voz embaralha a fala e dificulta a compreensão. Atordoar é a função. Em 2003/2008 Leila nos apresentou “Noites Brancas”, fotografias onde o tempo se apresenta como embalsamar do instante, tornando-as eternas num lapso. São visões que ela capta de sua janela, de lugares, de fotos noturnas, tiradas com longo um período de exposição, ou seja, o diafragma da câmera permanece aberto por muito período. Leila procura, dessa forma, discutir qual é a duração do instante, e qual é o resíduo de memória do olhar distraído do fotógrafo, não pela multiplicidade do entorno, mas pela pouca capacidade de concentração.
Leila, na sua riquíssima criação, nos legou muitos cadernos de artista e anotações preciosas do seu pensamento. Neles deixa eternizados registros de um fazer constante, quando diz que: “minhas obras representam uma maneira de pensar e de articular ideias. E hoje nem era uma noite de lua cheia, mas todos estavam presentes, um mundo dos possíveis”.
Loly Demercian