Exposição Um dia, uma prosa, um conto

Anny Lemos, 1987, São Paulo        Suzana Barboza, 1970, São Paulo

A exposição Um dia, uma prosa, um conto… apresenta os trabalhos de Anny Lemos e Suzana Barbosa de 13 de julho a 10 de agosto p.f., na Casagaleria e Oficina de Arte, São Paulo.
Para a artista Anny Lemos, suas obras são representações de “metáforas da casa”, ou seja, nessa simbologia, espectadores diagramam olhares sobre as cenas recortadas. São pequenos cantos com móveis querendo transgredir o espaço, intensidades luminosas em superfícies chapadas matizadas por formas luminosas, ou detalhes do cotidiano.
Ao visitante da mostra, nos intervalos dessa arquitetura de sofás, tapetes, cadeiras, janelas, plantas, abajurs, outras camadas se dão a ver. São nervuras que filtram um invisível como reflexo de presenças e ausências, do fixo e do fugidio, do visto e da dúvida sobre o que é visto.
Em suas palavras, Anny afirma que se interessa pelos campos perceptivos se uma poética do habitar, com a qual a visualidade de um mundo interior flui pelas janelas do olhar.

A partir de 2012, Suzana Barboza inicia seus estudos em pintura, dedicando-se à construção de sua linguagem. Estuda com Paulo Pasta, pesquisa procedimentos e técnicas de artistas como Morandi, Mira Schendel, Eleonore Koch e Volpi, entre outros. Comum a esses, são as atmosferas  criadas por Suzana que, ao acessar nossa percepção, nos aproxima de um tecido ordenado no silêncio, no tempo.
Sua palheta, muitas vezes esmaecida (Fig. 4, Sem título, 2024), constrói paisagens abstratas onde espaços de core-luzes encontram-se sugerindo uma matéria etérea. Levados por essas deambulações estéticas, nos aproximamos, como descreve Suzana, de formas reduzidas às suas essências, intencionadas por questões sobre a impermanência do ser, suas imprecisões, derivas e flaneurismos.
Círculos imperfeitos, construídos com pinceladas aparentes tratados à tinta a óleo e cera, traduzem, então, o universo da artista.

Poderia ser um mero acaso, a curadoria colocar junto duas artistas vindas de formações diferentes:- Anny Lemos, artista visual pela UNESP (2010) e Suzana Barboza, arquiteta pela FAU USP (1994). No entanto, motivadas pela busca de diálogo com suas produções atuais, Anny e Suzana, em conversas sobre o projeto da mostra, fizeram surgir alguns passeios de fenômenos estéticos próprios da linguagem da pintura, os quais possibilitaram a motivação curatorial de colocar lado a lado certos trabalhos, sem tratá-los apenas como linguagens figurativa ou abstrata.
As artistas Anny Lemos e Suzana Barboza, ao criarem um diálogo entre si, sobre o mundo da vida e sobre correlações formais transformam Um dia, uma prosa um conto… em um ato que excede os limites de cada obra, motivando-nos com outros passeios estéticos.

Carmen Aranha e Loly Demercian

Julho/2024

Exposição A Leveza Pode Ser o Peso da Nossa História

Texto crítico: Loly Demercian
A Leveza Pode Ser o Peso da Nossa História, 2024
Artistas: Nádia Starikoff e Gaya Rachel
Texto: Loly Demercian

“Antes de formar sua atmosfera e seus oceanos, a Terra devia ter o aspecto de uma bola cinzenta a rolar pelo espaço. Igual ao que é hoje a Lua: ali onde os raios ultravioletas irradiados pelo sol chegam em anteparos, as cores se destroem: por isso, as rochas da superfície lunar, embora coloridas como as da terra, são de um cinza morto e uniforme. Se a Terra apresenta uma face multicor é graças à atmosfera, que filtra aquela luz mortífera”.

                                                                            Ítalo Calvino 1

A exposição “A Leveza Pode Ser o Peso da Nossa História” reúne, de maneira sensível e instigante, os trabalhos de duas talentosas artistas, Nádia Starikoff e Gaya Rachel, cujas pinturas exploram as tensões entre o leve e o pesado, o visível e o oculto, o efêmero e o permanente. Esta mostra não é apenas uma exposição de arte, mas uma imersão profunda nas camadas da memória e da identidade, sugerindo que, frequentemente, o que parece leve carrega consigo um peso histórico inestimável. As duas artistas que compartilham este espaço expositivo tecem, com sensibilidade e sagacidade, um rico tapete de significados que nos desafiam a reconsiderar a nossa compreensão do passado e sua influência sobre o presente.

Ao entrar no espaço expositivo, somos imediatamente envolvidos por uma atmosfera que flutua entre a delicadeza e a densidade. As obras dialogam entre si, criando uma narrativa visual que questiona nossas percepções e desafia nossas suposições. As artistas, com suas técnicas singulares, conseguem traçar paralelos e contrapontos, oferecendo ao espectador uma experiência rica e multifacetada.

A artista Nádia Starikoff utiliza uma paleta de cores suaves, como o azul metileno, que por acaso é um corante utilizado em histologia para colorir as células do nosso corpo, porque não apresentam cor. As cores são para materializar, para tornar visível o invisível.  Na série “leveza” evoca uma sensação de serenidade, seus trabalhos, no entanto, são pontuados por elementos que remetem a memórias pessoais, como fragmentos de imagens e flores. Essa justaposição cria uma tensão visual e emocional, sugerindo que a aparente suavidade da superfície esconde histórias de peso considerável. Suas pinturas são quase como poemas visuais, onde cada camada de tinta revela uma nova nuance de significado.

Em contraste, a outra artista, Gaya Rachel, opta por cores mais vibrantes e contrastantes, com pinceladas enérgicas que conferem movimento e intensidade às suas obras. As cenas representadas, embora dinâmicas e cheias de vida, carregam uma carga emocional profunda. Elementos simbólicos emergem das camadas de tinta, contando histórias de resistência, luta e resiliência. Através de uma abordagem quase abstratas, nos convida a refletir sobre como o peso da história se manifesta no presente, influenciando e moldando nossas experiências cotidianas. Os símbolos, segundo a artista estão entre célula e o universo.

O espectador é levado a percorrer um caminho onde cada obra é um ponto de reflexão, um convite a considerar as múltiplas camadas de nossa existência histórica e cultural. “A Leveza Pode Ser o Peso da Nossa História” é uma exposição que desafia o espectador a olhar além da superfície, a reconhecer a complexidade inerente às experiências humanas. As artistas, com suas abordagens únicas, nos mostram que a história não é apenas um fardo a ser carregado, mas também uma fonte de força e inspiração. Esta mostra é uma celebração da resiliência humana e da capacidade de transformar o peso do passado em uma leveza que nos permite seguir adiante. Em última análise, esta exposição é um tributo à dualidade da vida, uma ode à delicadeza que coexiste com a profundidade, e um lembrete de que a leveza pode, de fato, ser o peso da nossa história.

A união destas duas artistas em “A Leveza Pode Ser o Peso da Nossa História” não é apenas uma justaposição de estilos, mas uma sinergia que amplia a compreensão do espectador sobre a complexidade da história e sua influência contínua. A leveza, neste contexto, não é sinônimo de superficialidade ou ausência de peso, mas uma qualidade que permite uma nova perspectiva sobre o que pode parecer imutável e pesado. Ao caminhar por esta exposição, somos desafiados a reavaliar nossa relação com o passado. As obras nos encorajam a reconhecer a beleza e a dor das narrativas históricas, a entender que a leveza pode ser um véu que encobre um profundo peso e que este peso, por sua vez, pode ser portador de uma estranha e necessária leveza. A exposição nos deixa com uma sensação de reverência e introspecção, instigando um diálogo contínuo sobre como carregamos e interpretamos a nossa história. Em “A Leveza Pode Ser o Peso da Nossa História”, as artistas nos oferecem uma meditação visual sobre a natureza paradoxal da memória e do tempo, um convite para explorar a intrincada dança entre o que é visto e o que é sentido, entre a aparente leveza e o inescapável peso das nossas narrativas compartilhadas.

1-Calvino, Italo. AS COSMICÔMICAS. São Paulo. Companhia das letras, 1992. Pg.51

Exposição Paisagens Ásperas

PAISAGENS ÁSPERAS, 2024

Vitor Mazon¹

Em suas tradições familiares, Vitor Mazon descobriu uma atmosfera propícia para criação, uma percepção diferenciada em relação a marcenaria, fruto do ofício familiar. Era normal esbarrar com sobras de materiais como madeira, pregos, parafusos, lixas de todas as cores e espessuras. Entretanto, Vitor iniciou seu trabalho artístico com o dispositivo fotográfico. Seu olhar o direcionava para os vazios entre a presença das árvores e mata. As imagens, ao serem reveladas, fizeram-no sentir que algo faltara. Era aquele ambiente conhecido da marcenaria: o cheiro de madeira, o tato, a tridimensionalidade. Era preciso inserir toda essa lembrança de alguma forma. Vitor, então, compôs à fotografia, colagens, que evocaram a profundidade – com restos de madeira – e a moldura feita com suas próprias mãos. Suas primeiras paisagens, se originaram da lixa, um instrumento comum, mas com enorme capacidade de mutação, quando aliada a uma mente criativa, capaz de perceber as tensões advindas de sobreposições do material.
Em suas exposições, Vítor procura situar a multiplicidade da linguagem artística projetada naqueles materiais e suportes. São várias técnicas executadas com fluidez. Passa-se de uma para a outra sem detrimento da qualidade e sem que a técnica sobrepuja a linguagem e vice-versa. Mas, Vitor, não satisfeito, inicia pesquisa subjacente a todo pensamento expressado nas diversas séries, trazendo um fato raro na arte hodierna, na qual as formas prontas são apropriadas sem que haja indagação alguma quanto ao procedimento. A surpresa nessa descoberta logo é desvelada, uma vez que o artista realizou inúmeras pesquisas sobre as tensões lineares percebidas nas sobreposições de lixas que compõem cores e formas. Com as marcas de dedos, como se fosse a memória desenhando veios nas madeiras ásperas e lixadas, a linguagem de Vítor se articula. A partir daí, o artista cria paisagens com uma “atmosfera” que não se refere ao insólito, nem à junção ao acaso de elementos díspares, mas àquilo que resulta da reflexão e da experiência criadora de leis da causalidade.
Buscando domínio e boa execução técnica, Vítor deixa seu rigor na unidade e na identidade construída.

Loly Demercian²

¹Vitor Mazon, 1987, vive e trabalha em São Paulo – SP. Sua pesquisa parte da fotografia de paisagem, buscando uma relação entre imagem e matéria. Filho e neto de marceneiros, se formou em jornalismo (2010), com especialização em fotojornalismo pela Spéos Paris – École de Photographie, Paris (2012).
Em 2022 fez sua primeira exposição individual, Sarrafo, na galeria Zipper, com curadoria de Eder Chiodetto. Entre as exposições coletivas de que participou estão: Poéticas Possíveis, Paralela Eixo (2021), Voices of Earth, Art from the Heart (2021), Mostra Museu, Arte na Quarentena (2021).

²Especialista em Estudos de Museus de Arte pelo programa Inter unidades do Museu de Arte Contemporânea do estado de são Paulo, da Universidade de São Paulo (MAC/USP); mestre em Educação, arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; curadora de arte e membro do grupo de pesquisa em Comunicação e Criação nas mídias (CCM) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Catálogo Milton Blaser

https://lolydemercian.com.br/wp-content/uploads/2024/01/um-outro-paisagismo-milton-blaser-2.pdf

Conversa com os artistas Claudio Barros + Felipe Zorlini